domingo, 17 de setembro de 2023

O jornalista e professor Luiz Antônio Araújo oportuniza, através de BINLADENISTÃO, uma revisão do mundo bipolarizado que surge a partir do término da Segunda Guerra; Mundial

A visão pesssoal, mergulada em seu imenso conhecimento jornalistico, do professor Luiz Antônio Araújo num momento crucial de nossa civilizacão quando presencia, de muito perto, a invasão estadunidense ao Paquistão  em 2001. Traz com maestria uma melhor compressão dos motivos e consequências onde - até hoje - amalgama as "Real Politics".




Postado por aaraujoluiz em 2 de abril de 2010. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=XbGHi4S2VSQ






domingo, 27 de dezembro de 2015

O impacto do ensino da arte (ou da falta dele) na percepção do mundo

Camille Paglia (foto: TomCabral/ SantoLima)
Camille Paglia         foto: TomCabral/ SantoLima
"A arte é o casamento do ideal e do real. Fazer arte é um ramo da artesania. Artistas são artesãos, mais próximos dos carpinteiros e dos soldadores do que dos intelectuais e dos acadêmicos, com sua retórica inflacionada e autorreferencial. A arte usa os sentidos e a eles fala. Funda-se no mundo físico tangível." - Camille Paglia, Imagens cintilantes
A escritora norte-americana Camille Paglia é conhecida por desafiar as ideias em voga nos mais diversos campos. Professora de Humanidades e Estudos Midiáticos da University of the Arts da Filadélfia, é autora de obras que misturam cultura pop, história da arte, sexualidade e os diferentes meios que tornam o homem um espectador: seja na frente da televisão, de um Pollock ou de sua própria vida.
Em sua mais recente obra, Imagens cintilantes - uma viagem através da arte desde o Egito a 'Star Wars' (Apicuri, 2014), Camille retorna ao local que a consagrou, a crítica à arte contemporânea. No livro, a autora analisa 29 obras que considera fundamentais na história da arte e afirma, com certa decepção, que os jovens deixaram ofícios como a pintura e a escultura para emprestar sua lealdade à tecnologia e ao design industrial.
Paglia resumiu o panorama que motivou a criação de Imagens cintilantes:
“O olho sofre com anúncios piscando na rede. Para se defender, o cérebro fecha avenidas inteiras de observação e intuição. A experiência digital é chamada interativa, mas o que eu vejo como professora é uma crescente passividade dos jovens, bombardeados com os estímulos caóticos de seus aparelhos digitais. Pior: eles se tornam tão dependentes da comunicação textual e do correio eletrônico, que estão perdendo a linguagem do corpo."
De acordo com ela, esta degeneração gradativa da percepção/expressão tem um grande inimigo: o mercado – das galerias às instituições de ensino. Segundo a norte-americana, este mercado não é apenas um objeto a ser combatido, mas sim um profundo problema de visão sobre a vida, que parte, também, do espectador. Ensinado a enxergar o mundo apenas de forma política e ideológica, o homem contemporâneo teria perdido a esfera do sensível, do invisível, do metafísico. Este contexto de constante estímulo atinge a sociedade como um todo, como Camille argumenta logo na introdução da obra:
“A vida moderna é um mar de imagens. Nossos olhos são inundados por figuras reluzentes e blocos de texto explodindo sobre nós por todos os lados. O cérebro, superestimulado, deve se adaptar rapidamente para conseguir processar esse rodopiante bombardeio de dados desconexos. A cultura no mundo desenvolvido é hoje definida, em ampla medida, pela onipresente mídia de massa e pelos aparelhos eletrônicos servilmente monitorados por seus proprietários. A intensa expansão da comunicação global instantânea pode ter concedido espaço a um grande número de vozes individuais, mas, paradoxalmente, esta mesma individualidade se vê na ameaça de sucumbir.
Como sobreviver nesta era da vertigem? Precisamos reaprender a ver. Em meio à tamanha e neurótica poluição visual, é essencial encontrar o foco, a base da estabilidade, da identidade e da direção na vida. As crianças, sobretudo, merecem ser salvas deste turbilhão de imagens tremeluzentes que as vicia em distrações sedutoras e fazem a realidade social, com seus deveres e preocupações éticas, parecer estúpida e fútil. A única maneira de ensinar o foco é oferecer aos olhos oportunidades de percepção estável – e o melhor caminho para isso é a contemplação da arte."
Ainda em seu texto introdutório, Camille critica as instituições de ensino por falharem completamente no ensino da visão que nos tiraria desta vertigem. Se precisamos reaprender a ver, as faculdades de arte, para ela, poderiam ser consideradas mais um empecilho do que uma parceira nesta tarefa. Leia, abaixo, o que ela tem dizer sobre isso a partir de excerto do livro Imagens cintilantes:
“É de uma obviedade alarmante que as escolas públicas norte-americanas têm feito um mau serviço na educação artística dos estudantes. Da pré-escola em diante, a arte é tratatda como uma prática terapêutica – projetos com cartolina do tipo “faça você mesmo" e pinturas com os dedos para liberar a criatividade oculta das crianças. Mas o que de fato faz falta é um quadro histórico de conhecimentos objetivos acerca da arte. As esporádicas excursões ao museu, mesmo que haja um por perto, são inadequadas. Os cursos de história da arte deveriam ser integrados ao currículo do ensino primário, fundamental e médio - uma introdução básica à grande arte e a seus estilos e símbolos. O movimento multiculturalista que se seguiu à década de 1960 ofereceu uma tremenda oportunidade para expandir o nosso conhecimento do mundo da arte, mas suas abordagens têm com demasiada frequência sacrificado a erudição e a cronologia em favor de um partidarismo sentimental e de queixumes rotineiros.
Era de se esperar que as faculdades que oferecem cursos de artes liberais dessem ênfase à educação artística, mas não é esse o caso. O atual currículo, de estilo self-service, torna os cursos de história da arte disponíveis, mas não obrigatórios. Com raras exceções, as universidades abandonaram toda noção de um núcleo de aprendizado. Os departamentos de humanidades oferecem uma mixórdia de cursos feitos sob medida para os interesses de pesquisa dos professores. Tem havido um gradual eclipse, nos Estados Unidos, do curso de história geral da arte, que cobria magistralmente, em dois semestres, da arte das cavernas ao modernismo. Apesar de sua popularidade entre os estudantes, que se recordam deles como pontos culminantes em suas vivências universitárias, os cursos gerais são cada vez mais vistos como excessivamente pesados, superficiais ou eurocêntricos – e não há mais vontade institucional de estendê-los para a arte mundial.
Jovens professores, criados em meio ao pós-estruturalismo, com sua suspeita mecânica da cultura, consideram-se especialistas, e não generalistas, e não foram treinados para pensar sobre trajetórias tão vastas. O resultado final é que muitos alunos de humanidades se formam com pouco senso da cronologia ou da deslumbrante procissão de estilos que constituía a arte ocidental.
A questão mais importante acerca da arte é: o que permanece e por quê?
As definições de beleza e os padrões de gosto mudam constantemente, mas padrões persistentes subsistem. Defendo uma visão cíclica da cultura: os estilos crescem, chegam ao ápice e decaem para tornarem a florescer, num renascer periódico. A linha de influência artística pode ser vista claramente na cultura ocidental, com várias interrupções e recuperações, desde o Egito antigo até hoje – uma saga de 5 mil anos que não é (como diria o jargão acadêmico) uma “narrativa" arbitrária e imperialista. Grande número de objetos teimosamente concretos – não apenas “textos" vacilantes e subjetivos – sobrevivem desde a antiguidade e as sociedades que moldaram.
A civilização é definida pelo direito e pela arte. As leis governam o nosso comportamento exterior, ao passo que a arte exprime nossa alma. Às vezes, a arte glorifica o direito, como no Egito; às vezes, desafia a lei, como no Romantismo.
O problema com abordagens marxistas que hoje permeiam o mundo acadêmico (via pós-estruturalismo e Escola de Frankfurt) é que o marxismo nada enxerga além da sociedade. O marxismo carece de metafísica – isto é, de uma investigação da relação do homem com o universo, inclusive a natureza. O marxismo também carece de psicologia: crê que os seres humanos são motivados apenas por necessidades e desejos materiais. O marxismo não consegue dar conta das infinitas refrações da consciência, das aspirações e das conquistas humanas.
Por não perceber a dimensão espiritual da vida, ele reduz reflexivamente a arte à ideologia, como se o objeto artístico não tivesse outro propósito ou significado além do econômico ou do político.
Hoje, ensinam aos estudantes a olhar a arte com ceticismo, por seus equívocos, suas parcialidades, suas omissões e ocultos jogos de poder. Admirar e honrar a arte, exceto quando transmite mensagens politicamente corretas, é considerado ingênuo e reacionário. Um único erudito marxista, Arnold Hauser, em seu épico estudo de 1951, A história social da arte, teve bom êxito na aplicação da análise marxista, sem perder a magia e o mistério da arte. E Hauser (uma das influências iniciais do meu trabalho) trabalhava com base na grande tradição da filologia alemã, animada por uma ética erudita que hoje se perdeu.
A arte é o casamento do ideal e do real. Fazer arte é um ramo da artesania. Artistas são artesãos, mais próximos dos carpinteiros e dos soldadores do que dos intelectuais e dos acadêmicos, com sua retórica inflacionada e autorreferencial. A arte usa os sentidos e a eles fala. Funda-se no mundo físico tangível.
O pós-estruturalismo, com suas origens linguísticas francesas, tem a obsessão pelas palavras e, com isso, é incompetente para interpretar qualquer forma de arte além da literatura. O comentário sobre arte deve abordá-la e descrevê-la em seus próprios termos. Deve-se manter um delicado equilíbrio entre os mundos visível e invisível. Aqueles que subordinam a arte a uma agenda política contemporânea são tão culpados de propaganda e rigidez literal como qualquer pregador vitoriano ou burocrata stalinista. 

Fonte:  http://www.fronteiras.com/artigos/o-impacto-do-ensino-da-arte-ou-da-falta-dele-na-percepcao-do-mundo

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Luchino Visconti - The Stranger (1967) (O estrangeiro - Albert Camus)

Fonte: Postado por Cine Defesa https://www.youtube.com/watch?v=H-JeOginE-w&t=34s
The Stranger 

Luchino Visconti

1967


Por
Marcelo da Rocha Lima Diego
2009

Linguagens de passagem: 
lugares de fala estrangeiros em Camus, Visconti, Cure e Neshat 


 Marcelo da Rocha Lima Diego∗



RESUMO: O romance O estrangeiro, de Albert Camus, foi adaptado para o cinema por Luchino Visconti e serviu de inspiração para uma canção do The Cure. Este estudo busca, através de uma perspectiva comparativista, observar as especificidades de cada uma dessas linguagens, bem como apreender os 
diferenciados lugares de fala dessas criações, fazendo um contraponto com uma obra de videoarte de Shirin Neshat. 


Palavras-chave: Passagens; Lugares de fala; Transposições intersemióticas. 


Pensar a arte como um local de fluxo de sentidos e observar como estes circulam em vias abertas pelos aspectos contextuais parece ser uma via interessante para se flagrar as relações que se estabelecem entre certas obras e as sucessivas camadas de significação que nelas se sobrepõem. O objetivo deste estudo é, a partir de uma perspectiva comparativista, analisar como uma determinada unidade de sentido – aquela que é núcleo dramático do livro 
O estrangeiro, de Albert Camus – atravessou o século XX e chegou ao XXI assumindo diferentes formas, e, consequentemente, diferentes sentidos. 
A escolha desse texto-base – O estrangeiro – obedece a uma dupla motivação. Em primeiro lugar, é uma história que carrega consigo uma problemática de identidade individual e coletiva, seja no questionamento existencialista do protagonista acerca do sentido de sua vida e da fortuidade dos acontecimentos, seja no encontro com o Outro, na tensão do convívio entre franceses e árabes que o romance encena – relegado pela crítica,  
muitas vezes, a pano de fundo. Em segundo lugar, o livro de Camus foi adaptado por artistas de diversas linguagens, como o cineasta italiano Luchino Visconti, autor do filme Lo straniero, e a banda inglesa The Cure, autora da canção Killing an arab, revelando-se objeto privilegiado em processos de transposição intersemiótica. Assim, a trajetória de O estrangeiro trabalha duplamente na fronteira: entre civilizações e entre linguagens. 
Para tanto, um conceito fundamental é o de adaptação. Linda Hutcheon, em A theory of adaptation, compreende a adaptação como, simultaneamente, um produto e um processo: 
como produto, a adaptação é uma transposição de ideias de um determinado sistema semiótico para outro; essa operação deve, portanto, revelar-se na obra de maneira anunciada, extensiva e específica. Como processo, a adaptação pressupõe, de um lado, uma interpretação criativa e crítica, por parte do adaptador, da fonte adaptada; e, de outro, por parte do público, uma recepção em que se apreenda o caráter intertextual, sua natureza de 
palimpsesto. 
Questionando-se sobre aquilo exatamente que é adaptado em uma obra, Hutcheon conclui que, em geral, é a "história", a "fábula", ou seja, o núcleo narrativo (anedótico) que confere identidade a uma obra. Não obstante, observa que também podem ser relidos, interpretados e transpostos em uma adaptação os temas, as personagens e – o mais interessante – o heterocosmo de uma obra; este é [...] literalmente, um outro mundo, ou cosmo, completo, claro, com todas as coisas como a história – lugares, personagens, eventos e situações. Para ser mais preciso, é a res extensa – para usar a terminologia de Descartes – daquele mundo, seu material, sua dimensão física, 
que é transposta e experimentada através de interatividade multisensorial. (Hutcheon, 2006, p.14, tradução nossa) . 
Essa abertura permite que a teorização de Hutcheon – que, por familiaridade, aborda principalmente obras literárias, filmes e óperas – abarque um outro aspecto da criação artística que não apenas o narrativo: o imagético. Fazendo uso de uma metáfora da própria autora, que compara o processo de adaptação com o da evolução das espécies – as histórias sobrevivem, ao longo dos tempos, metamorfoseando-se, migrando de linguagem e desenvolvendo novos atributos que melhor atendam às demandas do ambiente . 
Se, como produto, uma adaptação é uma entidade formal, enquanto produção ela é um feixe de aspectos contextuais, os quais concorrem no revestimento simbólico da obra. E se, na criação de uma adaptação, há um núcleo de sentido prévio, oriundo da obra adaptada, serão justamente esses aspectos contextuais que, aliados às intenções criativas individuais do adaptador, gerarão a forma da nova obra. No fio da navalha entre repetição e diferença – 
entre aquilo que permanece e aquilo que muda – por onde andam as adaptações, tão importante quanto identificar as intertextualidades (o texto adaptado, a repetição) é resgatar é o contexto (o momento e os agentes adaptadores, a diferença). 
Em uma adaptação, a noção de contexto, Hutcheon sublinha, é vasta e variada. 
Engloba considerações tecnológicas – o desenvolvimento de novos meios expressivos –, materiais – o acesso aos recursos necessários, o que se problematiza ainda mais em linguagens industriais como o cinema –, transculturais – a equivalência de instituições sociais – e políticas – o local de fala a partir do qual o novo discurso se erige. Já na recepção de uma obra adaptada – no que, aliás, não se diferencia daquela de obras não-adaptadas –, a vastidão perde os contornos e torna-se pura dispersão: é impossível prever as leituras e os usos aos quais servirá e que, por sua vez, também podem ser objetos de adaptações – a adaptação admite recursividade. 
Filho de uma família de pied-noirs – população que, não obstante a origem francesa, vivia à beira a miséria na Argélia do início do século XX – Camus (Mondovi, Argélia, 1913 – Villeblevin, França, 1960) lança O estrangeiro em 1942. Sartre o procura após ler o livro, fascinado, e os dois iniciam uma amizade que seria interrompida apenas dez anos mais tarde, a propósito de outro livro de Camus, O homem revoltado, do qual Sartre discordava 
ideologicamente. O estrangeiro é narrado em primeira pessoa por Mersault, o protagonista, encarnação daquilo que a crítica camusiana – a partir do próprio Sartre – chamaria de "homem-absurdo". A morte de sua mãe, o assassinato gratuito do árabe, o julgamento, a expectativa da morte, os pequenos prazeres e desventuras do cotidiano são percebidos apaticamente pela consciência narrante de Mersault. A arbitrariedade de sua ação duplica-se  ISSN: 1983-8379 Vinte e cinco anos após a proposição de Camus, o cineasta italiano Luchino Visconti resolve transpor para as telas O estrangeiro. Visconti era, à época, um dos diretores mais consagrados da Europa, e tinha larga experiência em adaptação de obras literárias para o cinema, como demonstravam, já então, filmes como Ossessione (1943), girado a partir de The postman always rings twice, de James Cain; La terra trema (1948), adaptação de I 
Malavoglia, de Giovanni Verga; Senso (1954), versão cinematográfica do romance homônimo de Camilo Boito; Le notti bianche (1957), cuja fonte foi o conto de mesmo nome de Dostoiévski; Rocco e i suoi fratelli (1960), adaptação de Il ponte della Ghisolfa, de Giovanni Testori; e Il gattopardo (1963), da obra-prima de Tomasi di Lampedusa. Suas adaptações, no entanto, sempre haviam sido releituras, recriações; Visconti frisava que os textos originais eram para ele apenas materiais sobre os quais a equipe de roteiro trabalhava. 
Descendente da alta nobreza de Milão, Don Luchino Visconti di Modrone, conde de Lonate Pozzolo (Milão, 1906 – Roma, 1976), converteu-se ainda jovem ao comunismo e militou incisivamente na resistência ao fascismo, sendo preso e torturado; em todos os seus filmes é possível perceber o luxo e a erudição, trazidos de sua bagagem familiar, aliados a uma forte crítica social e a um processo de releitura histórica, advindos de sua orientação política. 
O contrato com o produtor Dino De Laurentiis e com os detentores dos direitos 
autorais é firmado em 1962, e Visconti declara a princípio seu projeto de fidelidade à obra de Camus: "Não o traduzirei. Quero respeitar a essência e submeter-me humildemente ao texto. (...) Vejo [o filme] exatamente como Camus o escreveu. Não quero nem escrever um roteiro" (apud Micciché, 2002, p.56). Essa intenção, que surgira em um primeiro momento de aproximação do romance, ainda distante de sua produção objetiva, e como um desejo do 
cineasta, é em seguida reforçada contratualmente pela viúva do autor, que zelava pela inviolabilidade da obra do marido. Francine Camus exigiu que o roteiro final fosse aprovado por ela, que o rubricaria em cada página, e que da equipe de elaboração do roteiro fizesse parte um conhecedor da obra de Camus em quem ela tivesse confiança. A equipe responsável pelo roteiro de Lo straniero tornou-se demasiado inchada, sendo composta por:  ISSN: 1983-8379   
O próprio Visconti, que coordenava os trabalhos; Suso Cechi d'Amico, sua parceira de longa data; Georges Conchon, um colaborador francês, mais familiarizado com o texto, convocado por Visconti; Emmanuel Roblès, conhecedor da obra do escritor indicado pela viúva Camus; e V. Bonicelli, outro exegeta camusiano, imposto por De Laurentiis por precaução contra 
contestações da viúva. Somou-se, a essa adiposidade de pessoal, outro fator que reduziu a liberdade criativa de Visconti: Marcelo Mastroianni investiu no filme recursos próprios, obtendo da produção a promessa do papel principal; o diretor tem então que abrir mão de Alain Delon, ator que escolhera anteriormente para o papel e em quem visualizava o perfeito 
phisique du rôle de Mersault. 
Em 1967, quando o roteiro de Lo straniero está quase pronto, Visconti toma 
consciência (revela-o em carta) de que o mundo da época do romance não existia mais, que se reduzia a pequenos fragmentos, e que "era preciso ter em conta, inevitavelmente, tudo 
aquilo que aconteceu na Argélia nesse meio tempo" (apud Micciché, 2002, p. 57); deixa circular, embora não haja registros documentais, que pretendia inserir referências à Guerra da Argélia, aos confrontos entre FLN (Front de Libération Nationale, exército revolucionário argelino) e OAS (Organization de l'Armée Secrète, força armada conservadora). No entanto, constrito pelo contrato e pelos inspetores presentes em sua equipe de roteiro, vê-se obrigado a abandonar esses planos. Sob todas essas circunstâncias, o eixo de trabalho de Visconti desloca-se da interpretação para a ilustração do romance. 
O resultado é um filme consensualmente considerado pela crítica como menor, 
dentro da trajetória do diretor, "profissionalmente correto e esteticamente pálido" (Micciché, 
2002, p. 56). A propósito dele, a crítica e semióloga americana Susan Sontag observou o problema que representam, para o cinema, os livros com ampla tradição crítica, de gêneros considerados mais elevados, os clássicos; neles, muitas vezes, o engessamento gerado pela vontade de fidelidade cerceia o uso criativo de expedientes que transportam, para o sistema de códigos próprio do cinema, os sentidos expressos no sistema de códigos específico da 
literatura: 

O primeiro filme de Visconti, Ossessione – adaptado de The postman always rings twice [O destino bate à sua porta], romance de James M. Cain – é uma realização muito mais digna do que sua bela, respeitável transcrição de O leopardo ou do que sua dura e um tanto descuidada 
versão de O estrangeiro, de Camus. O melodrama de Cain não precisava ser "seguido".  
No caso de O estrangeiro/Lo straniero, a arbitrariedade das ações e sua duplicação no discurso do protagonista, que conferem, no romance, a dimensão de absurdo à existência, tornam-se, no filme, um mesmo plano no qual a subjetividade é achatada pela opacidade do real. 
Os eventos periféricos, dispersos pelo texto – como o da angustiada mulher que almoça sozinha no restaurante, ou como na relação de simbiose e crueza do vizinho de Mersault com seu cão –, que desempenham o papel de índices de um mundo desolado nas suas mais domésticas relações, surgem, no filme, como elementos desconexos, cenas que interrompem a progressão dramática sem demonstrar uma contribuição no repertório simbólico criado ao longo da trama. Para transpor o narrador de primeira pessoa para as telas, Visconti utilizou-se de dois recursos. O primeiro é um macroflashback que ocupa 
metade da duração do filme: toda a primeira parte do romance, os fatos que antecedem a 
prisão de Mersault, aparecem como se fossem a narração deste para o juiz. Essa personificação – no juiz – do interlocutor ao qual a voz narrativa se dirige permite a presença do segundo recurso, a voz em off, que recita trechos originais do livro e faz as vezes da consciência reflexiva de Mersault. 
A diferença nodal entre os registros verbal e visual transparece nas aparições 
sucessivas – conforme descritas no romance – dos árabes no filme. Contrariamente ao que seria esperado, é no livro que há um fading desses personagens, e não versão para o cinema. 
A movimentação deles na praia, aparecendo, desaparecendo e reaparecendo, é suave e verossímil no papel; na tela, feita subitamente, a insinuação da palavra é substituída por uma imagem peremptória e as figuras caricatas dos árabes acabam por se assemelhar a gênios saindo da lâmpada. O filme cumpre sua função como mise-en-scène do livro, realizando uma reconstituição de época e local primorosa e oferecendo algumas imagens vigorosas, como, por exemplo, o corte súbito da leitura da sentença à guilhotina para o pescoço nu de Mersault/Mastroianni.  
Quase vinte anos após Visconti lançar seu olhar sobre O estrangeiro – e quase 
quarenta anos depois de Camus escrevê-lo – a banda de rock inglesa The Cure também utilizou o romance como texto-base, em Killing an arab. O grupo, formado na cidade de Crawley, Inglaterra, em 1976, entorno do vocalista e letrista Robert Smith, surgiu na cena rock em um momento posterior ao do movimento punk e resgatava um imaginário gótico, extremamente idealizado, tanto nas músicas quanto no comportamento: um tom soturno, um enaltecimento da melancolia, um flerte com a morte; resgatava, na verdade, um imaginário romântico do gótico, não sem mirá-lo, muitas vezes, com um olhar irônico. Primeiro single do grupo, a canção foi lançada no Natal de 1978, alcançando grande sucesso de público e de crítica: 

Standing on the beach 
With a gun in my hand 
Staring at the sea 
Staring at the sand 
Staring down the barrel 
At the arab on the ground 
I can see his open mouth 
But I hear no sound 

I'm alive 
I'm dead 
I'm the stranger 
Killing an arab 

I can turn 
And walk away 
Or I can fire the gun 
Staring at the sky 
Staring at the sun 
Whichever I chose 
It amounts to the same 
Absolutely nothing 

I'm alive 
I'm dead 
I'm the stranger 
Killing an arab 

I feel the steel butt jump 
Smooth in my hand 
Staring at the sea 
Staring at the sand 
Staring at myself  


Reflected in the eyes 
Of the dead man on the beach 
The dead man on the beach 

I'm alive 
I'm dead 
I'm the stranger 
Killing an arab 

A música foi centro de intensa polêmica, pois pessoas menos informadas, que não percebiam a intertextualidade com o romance de Camus, acusavam a banda de uma atitude preconceituosa contra os árares. Por ocasião do lançamento da primeira antologia da banda nos Estados Unidos, Standing on a beach, de 1986, o álbum foi vendido com uma etiqueta advertindo os ouvintes contra usos racistas da música; e nas seguintes compilações do conjunto a canção foi regularmente excluída. Em 2005, ao longo de sua turnê pela Europa, a 
banda reintroduziu a canção no repertório, alterando, no entanto, o verso-título para Kissing an arab; e, na turnê de 2007, o verso (e o título) foram definitivamente modificados para Killing another. 
A letra da música desenha, em versos curtos, a cena em que a personagem (que, no entanto, não é nomeado como Mersault) está na praia e atira no árabe; assim como no livro, a voz utilizada é a da primeira pessoa, e o caráter narrativo (sucessão de ações no tempo) é criado mais pela sucessão de momentos estanques – relatos de impressões e sensações – do que pelas construções verbais; a grande maioria dos verbos empregados é de verbos de 
permanência. Não há referência explícita a O estrangeiro ou ao seu protagonista, mas, assim como no livro, o personagem se sente assolado pelo ambiente, pela possibilidade de agir ou não, pelo sem-sentido da existência: "I can turn / and walk away/ or I can fire the gun /(...)/ wichever I chose / is'ts amounts to the same / absolutely nothing". Frente ao corpo morto do árabe, face à irredutibilidade da morte, o narrador-personagem, na música, promove uma troca de lugares e absorve ele próprio a morte e a estranheza àquela realidade: "I'm alive / I'm dead / I'm the stranger / Killing an arab". 
A música do The Cure não foi a única, na Inglaterra da passagem dos anos 1970 para os 1980, que buscou referências na literatura ou que gerou polêmica por aludir com termos violentos aos árabes e ao oriente como um todo. Em 1982, motivada pelo banimento do rock  no Irã por ordem do Aiatolá Khomeini, o The Clash lançou a música Rock the casbah, cuja 
letra satírica ridiculariza diversos elementos da imagerie árabe em nome da (pseudo) democracia ocidental. O grupo, surgido em Londres em 1976 e liderado por Joe Strummer, tinha por característica uma atitude politicamente irreverente; afinado com um discurso de contracultura, declarava seu apoio a grupos radicais de esquerda de todo o mundo, como o IRA e o ETA, chegando ao ponto de o vocalista vestir, em uma apresentação em 1977, uma 
camisa com o emblema da facção de ultra-esquerda alemã Baader-Meinhof. A letra de Rock the casbah, em inglês, mescla em uma única fala expressões em árabe, hebraico, urdu e em dialetos islâmicos do norte da África – como sharif, bedouin, raga, minaret e casbah –,todos sob a rubrica generalizante de "árabe"; em seu enredo, assim como no videoclipe, um rei muçulmano caricato, que dirige cadilacs e escava petróleo, teme a "contagiante" música 
ocidental – "that boogie sound". 
O mundo árabe presente na canção, homogeneizado e estereotipado, é sintomático de um modo de lidar com o Oriente que Edward Said chamou de "Orientalismo". O crítico literário americano de ascendência palestina identifica e localiza, dentro do imaginário de matriz europeia, um discurso sobre o Oriente que é completamente independente de seu suposto referente; tal como aparece nas artes a partir da Idade Moderna, o Oriente surge 
como recriação gerada pelo Ocidente. Afinado com uma estratégia política e econômica tácita, esse discurso neutraliza as funções clássicas do Oriente como fonte, rival e Outro do Ocidente. 
Uma música composta como crítica ao autoritarismo e ao atraso humanitário do mundo islâmico se tornou, posteriormente, agente do imperialismo norte-americano, quando, a partir da Guerra do Golfo, Rock the casbah passou a ser utilizada como um hino não-oficial dos soldados enviados para o Oriente Médio. Versos como o do título (enfatizado no refrão) e "Drop your bombs between the minarets" incentivaram os jovens americanos 
enviados para aquele conflito e, mais tarde, para as Guerras do Afeganistão e do Iraque. Essa subversão de usos, possibilitada pelo significante em aberto da obra de arte, inscreve a arte 
em um solo movediço, de fronteiras imprecisas, no qual os sinais (positivo e negativo, em relação a determinado posicionamento) podem se alternar a qualquer hora.   
À luz dessa ubiquidade fronteiriça pela qual a arte se movimenta, os locais de fala d'O estrangeiro de Camus e das suas duas adaptações para aqui convocadas – Lo straniero, de Visconti, e Killing an arab, do The Cure – ganham destaque e merecem ser questionados. Camus, bem como o narrador de seu romance, pertencia a um grupo social que, embora integrante da etnia dominante na Argélia da década de 1930, amargava uma situação 
econômica precária e um esvaziamento progressivo de seu protagonismo político e social – o qual culminaria na independência do país, em 1962, após cerca de vinte anos de lutas contra o governo Francês –; seu local de fala é o de uma aristocracia decadente e ultrajada, na qual o rancor dirigido à classe ascendente aparece dissimulado atrás de um discurso de convivência segregadora, de domesticação da tensão: para os pied-noirs, o árabe é como o empregado cuja paulatina ascensão se torna incômoda para o patrão em crise. 
Já Visconti fala do lugar de uma intelectualidade europeia da década de 1960 que tenta conciliar sua convicção socialista com uma herança cultural baseada no modo de 
produção capitalista. Opera com uma lógica de concessões: submete-se a uma indústria cinematográfica, mas tenta, dentro dela, resguardar um espaço para sua criatividade e orientação ideológica. Em seu percurso no cinema, é perceptível um distanciamento progressivo do plano imediatamente político em prol de um aprofundamento na investigação dos mecanismos psicológicos e sociais do homem que levam à desigualdade, o qual se traduz tanto na escolha dos textos que adapta quanto na forma como os adapta: em um 
extremo desse continuum estaria La terra trema, filme neorrealista de 1948 que retrata, com atores não profissionais e nas locações originais, os conflitos entre pescadores e negociantes de peixe na Sicília; na outra ponta, L'inoccente, de 1976, produção holywoodiana que aborda os dilemas morais de um nobre sobre matar ou deixar viver o filho bastardo de sua mulher. 
O The Cure, por sua vez, fala do lugar de uma juventude proletária, dos subúrbios industriais ingleses nas décadas de 1970/1980, às portas da Era Thatcher, para a qual a vivência estética se tornava um refúgio de subjetivação em meio a um ambiente afetivamente severo e socialmente esmagador. O absurdo da existência de Camus é, nesse contexto, alinhado com um discurso de estranhamento social; e o árabe, cuja imigração em larga escala para a Inglaterra já era uma realidade e era vista com desconfiança e  desconforto pelos cidadãos ingleses, desempenha papel muito semelhante ao que tem no 
romance: mas, então, em vez de empregado incômodo, é já uma visita indesejada. 
Postas lado a lado as três obras, podem-se observar algumas importantes interseções entre seus pontos de partida: originaram-se todas nas principais potências europeias colonizadoras da África e da Ásia – França, Itália e Inglaterra; esses discursos se relacionam, inevitavelmente, com um local de fala do dominador, malgrado uma maior ou menor intensidade, em cada uma das obras, da dialética dominador-dominado, metrópole-colônia. 
Nas três, a marginalização do Outro (encarnado no árabe) é digerida, e quase obliterada, em nome de um suposto uso alegórico, que subjetiva o conflito social através do direcionamento a tensão seja para uma crise existencial (Camus), seja para uma investigação moral e formal (Visconti), ou ainda para um estranhamento social (The Cure). 
Esses posicionamentos se tornam mais claros quando contrastados com uma obra que aborda temáticas próximas, porém em outra perspectiva, e com outra linguagem, como, por exemplo, Passage, de Shirin Neshat. Neste filme de 2001, a artista plástica e fotógrafa iraniana radicada nos Estados Unidos alterna cenas de um cortejo fúnebre, composto apenas por homens, ao longo de uma praia à beira do deserto; de um grupo de mulheres, ajoelhadas 
e dispostas circularmente, que cavam com as mãos uma cova; e de uma criança, próxima a essa cova, que brinca de empilhar pedrinhas, compondo uma pequena casa circular. Nas palavras do crítico de arte Shoya Azari,  
Passage é um poema visual eloquente que conta simbolicamente a história da perda, pesar, tradição, renovação e esperança humana diante do assombro, espanto e mistério. [...] Impassível diante de sua jornada pelos elementos e meio ambiente, ele marcha cegamente, tentando manter eterna a questão, num constante estado de mudança.  
A semelhança de cenários, a morte enquanto um valor dado, a indiferença da criança e o próprio título da obra, que remete a uma movimentação simbólica, permitem pensar este filme de artista como uma contraface – não uma adaptação, pois uma obra não surgiu a partir da outra – de O estrangeiro originada em um lugar de fala não-hegemônico. 
Em Passage o foco no sujeito se esvazia: à exceção da criança, que brinca e assiste a tudo, as pessoas estão sempre em grupos, jamais individualizadas; os planos-sequência são abertos, tornando as figuras humanas menores e ressaltando a imensidão do espaço. O repertório iconográfico é sintético, e a performance do ritual fúnebre não se liga a nenhuma 
cultura específica; o homem é ressaltado em sua fisicalidade, seja através das mãos que se integram à terra no gesto de cavar, seja na pequenez do grupo em meio ao deserto, filmado de longe, ou ainda na presença mesma de um cadáver, matéria humana desprovida de vida; a natureza é destacada em relação sinestésica com o homem, possui sua mesma densidade e textura. Aliados esses elementos, percebe-se um esvaziamento de qualquer transcendência naquela representação imagética, a qual dá lugar a uma percepção imanentista do mundo. 
Esse mundo de Neshat, compreendido como imanência, desprovido de um sentido ontológico, é o mesmo onde se situa o homem-absurdo de Camus; o mundo como passagem é o mesmo que gera um homem sempre estrangeiro. O árabe – tão particularizado e ao mesmo tempo tão universal – não tem necessidade, em Neshat, de um elemento antagônico, é ele mesmo agente e paciente do arbitrário da existência. 
A poética de Neshat tem como constante a busca por um ponto de contato entre as civilizações, a qual é representada, em muitas de suas obras, por duplicidades, como, por exemplo, a das videoinstalações com duas telas face a face, em uma espécie de díptico. Na trilogia de filmes que Passage integra – composta ainda por Pulse e Possessed –, a 
duplicidade de cenas persiste, embora convirja para uma única tela, em uma dinâmica nem 
paternalista nem tendenciosa: os dois pólos possuem igual relevância, e para este resultado 
colabora o alto rigor formal da artista, cuja composição é frequentemente orientada por uma ordenação geométrica. A duplicidade se faz presente, para além do plano do significante, nas temáticas do deslocamento, do estranhamento e da perda, as quais se apresentam figuradas, muitas vezes, na experiência do exílio, e localizadas, sempre, no contexto da cultura 
islâmica. É dentro da iconografia gerada por esse perfil temático que Azari chama a atenção – tendo em mente, em princípio, a série de fotografias Women of Allah – para a introdução de elementos que cumprem o papel de totens: 

[...] Isto está presente no tema um tanto totêmico dessas fotografias, onde o objeto totem – seja um revólver, uma flor ou um véu – indica uma associação totêmica com uma comunidade. [...] É a infusão do objeto totêmico que transforma a imagem mítica da mulher com o véu, garantindo a possibilidade do discurso. Penetra os espaços sagrados e a iconografia dos cânones islâmicos, e desmonta sua metalinguagem mítica ao devolver o 
significado distorcido para o sistema semiológico, tornando-o, portanto, histórico. Ao escrever Totem e tabu em 1913, Sigmund Freud se utiliza do termo algonquino "totem" (da região dos grandes lagos norte-americanos, trazido para a antropologia primeiramente por McLennan) para designar, na constituição do psiquismo humano, a eleição de um objeto que, substituto simbólico do pai, congrega determinado grupo e estabelece suas interdições. Em Passage, o corpo morto parece se configurar como um totem: ele indica uma ausência, instaura uma ordem simbólica e reúne uma comunidade. No 
entanto, Neshat transporta o totem do plano mítico para o plano histórico, ao invadir o espaço sagrado do rito fúnebre – com o ato de retratá-lo – e ao particularizar a dor – através de uma gestualidade visceral. Esvaziando o caráter transcendente do totem e, na imanência, localizando-o em um circuito cultural fechado, a artista circunscreve o drama do deslocamento, estranhamento e perda em uma relação direta com as forças da natureza: o 
mar, o deserto, o céu, o corpo. 
Se "totem" é o termo que se relaciona a Passage, poder-se-ia, complementarmente, associar "tabu" às três versões de O estrangeiro referidas. Para o "homem-absurdo" Mersault, a arbitrariedade da natureza não é um problema – de fato, é apenas nas sensações físicas que ele vê alguma consistência e sentido –, mas sim a dos homens: seu estranhamento 
se dirige à ordem social e seus interditos. E é justamente porque a personagem é estranha à interdição – desconhece o totem – que o romance, o filme e a canção reforçam o sentido de transgressão não apenas através de um assassinato, mas do assassinato de um membro do grupo proscrito. E o foco na crise existencial (Camus), na investigação moral e formal (Visconti) e no estranhamento social (The Cure) não torna menor, episódico ou casual a 
eleição dos árabes como esse grupo. Na fronteira entre civilizações, O estrangeiro atravessou a fronteira de diversas linguagens: foi adaptado por contextos históricos variades, os quais conferiram diferentes 
matizes à sua proposição; encenando uma busca de identidade, também ele, O estrangeiro, seu núcleo de sentido, teve sua identidade adaptada. O romance, o filme e a música mantiveram-se dentro do registro narrativo, e, coincidentemente, falaram a partir de lugares de fala muito próximos, marcadamente eurocêntricos. Já uma atualização de questões 
semelhantes no registro imagético conseguiu se afastar desse discurso e admitir uma outra perspectiva identitária. Este estudo procurou, a partir da teoria da adaptação e com o auxílio das noções de lugar de fala, totem e tabu, observar os lugares de fala estrangeiros de três discursos sobre um mesmo objeto; e, no desdobramento final, o lugar de fala, estrangeiro aos outros, de um discurso que, sem ser sobre o mesmo objeto, contribui para sua leitura. A 
passagem pelas linguagens revelou a própria linguagem como passagem, diáspora de sentidos, em que cada leitura é um novo passo. E, ao flagrar os lugares de fala, identificou-se o conjunto de valores subjacente a cada uma dessas obras de arte, o que permitiu confrontá-los e proceder a uma leitura menos ingênua – e mais ética. 

  

Referências: 

AZARI, Shoya. Um olhar de dentro sobre a arte de Shirin Neshat. In: Shirin Neshat – entre 
extremos. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 9 de agosto a 22 de setembro de 
2002 (catálogo da exposição). 
CAMUS, Albert. O estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 1998. 
HUTCHEON, Linda. A theory of adaptation. Nova Iorque: Routledge, 2006. 
MICCICHÉ, Lino. Luchino Visconti: un profile critico. Veneza: Marsílio, 2002. 
NESHAT, Shirin. Passage. Nova Iorque: Barbara Gladstone; Parrot Productions, 2001. 
ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: 
Zahar, 1998. 
SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 
SONTAG, Susan. Questão de ênfase. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 
VISCONTI, Luchino. Lo straniero. Roma: Dino di Laurentiis Cinematografica; Paris: 
Marianne Production; Argel: Casbah Film, 1967. 
http://www.thecure.com/ 
http://www.theclash.com/ 
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/ 
(sites acessados em março de 2009) 



ABSTRACT: Albert Camus' novel The stranger was adapted to movie by Luchino Visconti and inspired a 
song by The Cure. Through a comparative perspective, this study aims to observe the specificity of each one of 
those languages, as well as apprehend the different places of speech of those creations, by making a 
comparison whit a Shirin Neshat's videoart work . 


Key-words: Passages; Places of speech; Intersemiotic transpos

Fonte: http://www.ufjf.br/darandina/files/2010/01/artigo23.pdf